Frank Capra + James Stewart – Parte 3

A Mulher Faz o Homem (Mr. Smith Goes to Washington, 1939)

“Esta é a mais titânica batalha dos tempos modernos. Um Davi sem nem mesmo um estilingue luta contra o poderoso Golias, a máquina de Taylor, alegadamente desonesta por dentro e por fora. Sim, e por meu dinheiro, você pode cortar fora o ‘alegadamente’.”

A Mulher Faz o Homem contém provavelmente a melhor sequência de cenas que já vi em um filme. Ela está na segunda metade do longa, quando o senador Smith (James Stewart), praticamente derrotado, obriga todo o quórum do Senado a escutar seu discurso sobre princípios e ideais há muito esquecidos. Enquanto isso, o filme intercala cenas de cobertura tendenciosa da imprensa, ao passo que o único veículo que apoia Smith sofre dura repressão e é retirado de circulação.

Smith não pode parar de falar. Se parar, será destituído de seu cargo e, possivelmente, condenado à prisão. Por isso, discursa como se sua vida dependesse disso, lançando mão de um ou outro comentário irônico enquanto prossegue. Sua secretária (Jean Arthur) o auxilia, encontrando furos e artifícios da lei que venham em seu socorro. Ela é um dos exemplos da mudança que Smith representou para o sistema. A princípio cética, se apaixona pelas ideias e propostas do senador, além de gostar bastante da sua pessoa de carne e osso. Ao final, cansado, ele se move apenas pela fé, e quando também ela deixa de existir, vai exausto ao chão.

Jefferson Smith não é um personagem original. O modelo para ele já está por aí há muito tempo e pode ser facilmente encontrado na literatura, em livros como O Idiota, de Dostoiévski e Admirável Mundo Novo. Smith é ingênuo, acredita na bondade dos homens. Acredita, principalmente, na história política dos Estados Unidos e nos ideais de honestidade e retidão norte-americanos. Essa ingenuidade é o que o leva a ser nomeado senador, em primeiro lugar.

Porém, sua inocência só é considerada um ponto positivo porque pode transformá-lo em um joguete nas mãos dos políticos mais experientes e conscientes da podridão existente no sistema. Smith parece então um turista, visitando os principais pontos de Washington, e só incomoda os outros por se interessar em aprender as regras do ofício em que acaba de entrar. Sua figura, na verdade, é considerada ridícula e não se perde a oportunidade de zombar dele. Zombarias essas que lhe passam despercebidas.

Sempre acharei uma injustiça que Stewart não tenha ganhado o Oscar por seu papel neste filme.  Não assisti Goodbye, Mr. Chips e não dou a mínima se Robert Donat teve a melhor atuação de todos os tempos. Stewart não vai deixar de merecer um prêmio por este filme. A meu ver, o ator está em sua melhor interpretação, tanto quando retrata apenas um caipira deslumbrado quanto durante o crescimento de seu personagem, que passa a dar uma verdadeira lição de moral em pessoas muito mais experientes do que ele.

Na época, o filme parece ter sido visto sob a ótica de uma crítica ao Senado norte-americano. Também é isso. A história, porém, vai além, e engloba as estruturas de poder como um todo. É novamente a figura do indivíduo contra movimentos acima de suas forças. A iniciativa individual é a única salvação para um sistema essencialmente corrupto. O senador Paine (Claude Rains), como o idealista que se deixou comprar, é a mangueira de escape para o regime, que cai frente à consciência pessoal e à honestidade de cada um.  E a maior mágica dos filmes de Capra é essa.  Uma pessoa sempre pode fazer a diferença. E faz.

Sobre Leonardo Maran

Fã de quadrinhos, filmes, livros, músicas, peças. Só falta arranjar tempo para tudo isso.

Publicado em agosto 29, 2011, em Uncategorized. Adicione o link aos favoritos. Deixe um comentário.

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